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O ano de 2017 comportará duas datas significativas no contexto dos estudos do protestantismo: os 500 anos da Reforma e os 100 anos da publicação do livro Das Heilige, de Rudolf Otto. Tais datas são também significativas para a Ciência da Religião enquanto disciplina acadêmica.

 

Em 31 de outubro de 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero publicava, em Wittenberg, Alemanha, sua Disputatio pro declaratione virtutis indulgentiorum: as 95 teses, como se tornou conhecido o texto. Nele, Lutero criticava ideias e práticas que envolviam a venda de indulgências por parte da cúria romana. Apareciam no debate temas como a penitência, a autoridade eclesiástica, a autoridade papal e a doutrina dos sacramentos. Ainda que originalmente Lutero pretendesse apenas esclarecer algumas ideias que afligiam a piedade das pessoas cristãs em sua paróquia e na Alemanha, as 95 teses causaram grande comoção e ulteriormente acarretaram aquilo que Steven Ozment  entendeu como “o nascimento de uma revolução”.

 

A partir dali, cindida em seu centro, a igreja como uma unidade sob o papa não seria mais possível. Lutero, Zwinglio, Calvino e ala radical da Reforma, constituem nuances de um movimento que ganhou o mundo. Autores como Troeltsch e Weber, entre outros, entendem inclusive o nascimento do mundo moderno como estreitamente relacionado à Reforma Protestante do século XVI.

 

Ao passo que o indivíduo fez-se autônomo em sua relação com Deus, o que se concretiza na doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes, e passou a encontrar sua vocação religiosa em cada atividade cotidiana (a ascese intramundana de Weber), também a religião pôde tornar-se, paulatinamente, um campo de estudo independente.

 

Assim também os rumos da universidade foram afetados pela Reforma e seus desdobramentos. As primeiras dinâmicas da Reforma em 1517 estiveram, de fato, umbilicalmente ligadas à Universidade de Wittenberg. Lutero, Melanchthon e Karlstadt eram lá professores. O traço acadêmico da teologia protestante pode ser percebido ainda nos dias atuais. Algumas das mais tradicionais universidades do mundo possuem background protestante: Marburg, Genebra, Amsterdam, Leiden, Oxford, Cambridge, Harvard, Princeton, Columbia, dentre outras.

 

Relativamente ao campo da Ciência da Religião, a constituição da disciplina traz da mesma forma as marcas do protestantismo, principalmente em sua face liberal. É reconhecida, nesse sentido, a formação de uma tradição interpretativa compreensiva da religião que remonta ao teólogo romântico Friedrich Schleiermacher. Gerhardus van der Leeuw, Ernst Troeltsch, Nathan Söderblom, Friedrich Heiler e Joachim Wach são alguns entre os renomados estudiosos da religião de matriz protestante.

 

É internacionalmente reconhecida a influência, por sua vez, da ideia de Sagrado, como formulada pelo teólogo e filósofo luterano Rudolf Otto, por sobre a Ciência da Religião. Mircea Eliade afirmou alhures que “um bom livro de história das religiões deveria produzir no leitor uma ação de despertamento” como a produzida pela leitura de “O Sagrado”, equiparando, nesse sentido, o escrito de Otto e o poema “Os deuses da Grécia”, de Friedrich Schiller. Conceitos formulados por Otto no livro, como “numinoso” e “mysterium tremendum et fascinans”, tornaram-se estruturantes à nascente disciplina. Quer seja para apropriar-se de tais conceitos, quer seja para afastar-se deles ou superá-los, o cientista da religião deverá passar pelo Sagrado de Otto.

 

No século XX, em busca de distanciamento da antiga teologia liberal, a chamada teologia neo-ortodoxa, eventualmente também adjetivada como dialética, enfrentou em novos termos os problemas de seu tempo. Karl Barth, Emil Brunner, Dietrich Bonhoeffer, Reihold Niebuhr e Paul Tillich, os grandes nomes desse período, a seu modo, buscaram responder às questões do mundo moderno e secularizado desde a teologia cristã. Foram, também, fundamentais nos processos de formação do movimento ecumênico internacional, matriz do atual Conselho Mundial de Igrejas. Particularmente Tillich, com sua definição de religião como uma “preocupação última”, constitui-se como referência necessária para os estudos de religião no extra-muros da teologia. A pesquisa sobre religião se beneficia de todos esses processos.

 

No Brasil, o fenômeno de alguma forma se repete. A constituição da Ciência da Religião passa no país pelo programa de pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo que, nos anos 1980, aglutinou um grupo de pesquisadores protestantes do calibre de Jaci Maraschin, Antonio Mendonça, Julio de Santa Ana, Prócoro Velasques Filho e Milton Schwantes. Merece menção também a luterana Escola Superior de Teologia, de São Leopoldo, cujo programa de pós-graduação tem ajudado a formar quadros de inúmeras instituições de ensino superior, inclusive o departamento de Ciência da Religião da UFJF.

 

Temos, assim, um escopo de temas que envolvem a herança protestante da Ciência da Religião. As datas comemorativas em questão podem, nesse sentido, ser o estopim de interessantes debates. Dois tipos de questões emergem à vista. De um lado, elas demandam a compreensão das conexões genéticas entre a teologia da Reforma Protestante e o estudo acadêmico da religião na modernidade. De outro, convidam a pensar criativamente, em diálogo com essa tradição, novos horizontes para o estudo da religião na universidade.

 

Considerando, ainda, o recorrente argumento de que a Ciência da Religião é a filha emancipada da Teologia, que acarreta o mais das vezes a simples negação materna, como se a Teologia fosse uma dinossáurica habitante da pré-modernidade, compreender tais processos pode colaborar na construção lúcida da identidade do cientista da religião, em um processo criativo, hermenêutico e dialógico com uma das influentes correntes intelectuais que formaram a disciplina.

PALESTRANTES

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Para outras perguntas e comentários envie um email para arnaldo.huff@ufjf.edu.br

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19-20 de Abril, 2017
 

Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora,
Juiz de Fora, MG

Cronograma

 

07/04/2017 – Envio de propostas de comunicação

10/04/2017 – Divulgação propostas aprovadas

15/04/2017 – Data final para inscrições

19 e 20 /04/2017 – Evento

19 a 20 de Abril, 2017 : Universidade Federal de Juiz de Fora
REALIZAÇÃO

Núcleo de Estudos em Protestantismos e Teologias (UFJF)

Grupo de Pesquisa Correlativos – Estudos em Cultura e Religião (UFS)

OBJETIVOS DO EVENTO

Geral

Compreender as conexões entre a teologia da Reforma Protestante e seus desdobramentos, dentre estes o aparecimento do conceito de Sagrado em Otto, e a Ciência da Religião, buscando a construção de novas questões e a abertura de horizontes para a pesquisa.

 

Específicos

- Investigar as relações entre a Reforma Protestante e a Ciência da Religião, em suas origens;

- Discutir a obra “O sagrado”, de Rudolf Otto, à luz da Reforma e da tradição protestante;

- Levantar ideias e conceitos de pesquisadores de herança protestante para o atual estudo da religião;

- Aventar novos horizontes teóricos para a pesquisa em Ciência da Religião.

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